02 novembro, 2006

A História de Ó ( II )

Mais um pouco do clássico de Pauline Reage:
"(...) Enquanto Colette fazia O sentar-se na borda do estrado, que não tinha degraus no meio, pois estes estavam localizados à direita e à esquerda das colunas, as duas outras moças fechavam a porta-janela, após terem fechado ligeiramente as persianas. O percebeu, surpresa, que era uma janela dupla, e Anne-Marie, disse, rindo: "É para que não a ouçam gritar; as paredes são forradas de cortiça, não se ouve nada do que acontece aqui. Deite-se". Ela segurou-a pelos ombros, colocou-a sobre o feltro vermelho e depois puxou-a um pouco para a frente; as mãos de O agarravam a borda do estrado, onde Ivonne as amarrou a uma argola, ficando os quadris suspensos no vazio. Anne-Marie fez com que ela dobrasse os joelhos junto ao peito, e, em seguida, O sentiu que as pernas, assim dobradas, eram repentinamente esticadas e puxadas na mesma direção: correias que passavam pelos braceletes colocados nos tornozelos amarravam-nos às colunas, mais alto que a cabeça. Ela se encontrava exposta de tal maneira, entre as colunas, que a única coisa que se podia ver dela era a fenda do ventre e das nádegas, escandalosamente escancarada. Anne-Marie acariciou o interior das coxas. "Este lugar do corpo é onde a pele é mais delicada", disse, "não se deve estragá-la. Vá suavemente, Colette." Colette estava de pé acima dela, com um pé de cada lado da sua cintura, e O via, através da ponte que formavam as pernas morenas, as tiras do chicote que tinha na mão. Aos primeiros golpes que a queimaram sob o ventre, O gemeu. Colette passava da direita para a esquerda, parava, recomeçava. O debatia-se com toda a sua força; parecia que as correias a rasgavam. Não queria suplicar, não queria pedir misericórdia. Mas Anne-Marie tinha resolvido levá-la até esse ponto. "Mais rápido e mais forte", disse a Colette. O obstinou-se, mas em vão. Um minuto mais tarde, cedia aos gritos e às lágrimas, enquanto Anne-Marie acariciava seu rosto. "Mais um instante apenas", disse ela. "Cinco minutos apenas. São vinte e cinco. Colette, pare aos trinta, quando lhe avisar." Mas O berrava; não, por piedade, não, não podia mais, não, não podia nem mais um segundo suportar o suplício. Teve que sofrê-lo, no entanto, até o fim, e Anne-Marie sorriu-lhe quando Colette deixou o estrado. "Agradeça-me", disse Anne-Marie, e O agradeceu-lhe. Sabia por que Anne-Marie fizera questão de mandar chicoteá-la antes de qualquer coisa. Que uma mulher fosse igualmente cruel e mais implacável do que um homem, nunca tinha duvidado. Mas O acreditava que Anne-Marie procurava menos manifestar seu poder do que estabelecer entre ela e O uma cumplicidade. O nunca tinha compreendido, mas havia acabado por reconhecer, como uma verdade indiscutível e importante, a confusão contraditória e constante de seus sentimentos: amava a idéia do suplício, quando o sofria, trairia o mundo inteiro para lhe escapar, e após terminá-lo sentia-se feliz por tê-lo sofrido, tanto mais feliz quanto mais cruel e mais longo tivesse sido. (...)"

Um comentário:

Justine® disse...

esse livro é um dos mais lindos que já li, parabéns pelo espaço.